Pai paga faculdade de Medicina da filha na Bolívia vendendo água de coco no ES

O aposentado montou uma barraquinha para vender a fruta, salgadinhos e biscoitos. A placa trazia a frase: “Água de Coco – Compre e forme uma médica”

 

Para concluir um curso superior, muitas pessoas contam com a família, que podem ajudar com apoio financeiro e emocional. Nayara Cláudia Ramos Felipe, de 32 anos e natural de Santa Leopoldina, recebeu essa ajuda do pai e da mãe, para se formar em Medicina em uma universidade em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.

O pai de Nayara, Jorge Coutinho Felipe, vendia água de coco nas ruas da cidade para custear os estudos da filha, e a mãe também enviava dinheiro à filha, com o salário que ganhava trabalhando em uma escola do município como auxiliar de serviços gerais.

O homem, que era aposentado por deficiência física na perna, montou uma barraquinha para vender a fruta, salgadinhos e biscoitos. A placa trazia a seguinte frase: “Água de coco – compre e forme uma médica”.

“Meu pai foi a pessoa mais positiva que eu já conheci na vida, ele sempre acreditava que tudo ia dar certo. Ele nunca desanimava, mesmo sendo deficiente físico e aposentado porque tinha um problema na perna, ele não se limitava a essa deficiência e fazia tudo que era possível”, declarou Nayara.

 

 

A médica, que retornou ao Brasil e hoje atua em Santa Leopoldina por meio do programa federal Mais Médicos, contou ao Folha Vitória que soube da empreitada do pai através de familiares.

“Ele já trabalhava com outras coisas, vendia salgadinhos, biscoitos, e fazia bicos para me ajudar. Quando viu a oportunidade de começar a vender coco, ele e meu irmão tiveram essa ideia de marketing contando a minha história, para fazer uma venda direcionada. E deu certo”, contou.

Nayara conta que o pai falava da filha aos moradores de Santa Leopoldina: “Um dia minha filha vai voltar e vai cuidar de vocês”.

O pai, a mãe e a tia de Nayara foram à festa de formatura do curso de Medicina na Bolívia, em 2017. Ela revelou que foi a primeira vez que o pai e a mãe viajaram de avião, e visitaram um país diferente: “Pude mostrar um pouquinho de tudo que vivenciei, eles participaram da festa de formatura e na missa ecumênica”.

“Vejo meu pai como um herói, como um exemplo de pessoas que batalham. Desde pequena eu olhava para meu pai e pensava que as coisas dariam certo, porque ele ia fazer acontecer”, disse a médica.

Pai de Nayara viu a filha como médica antes de morrer de câncer

Após a formatura, Nayara entrou no internato de medicina na universidade boliviana, mas precisou retornar ao Brasil quando descobriu que o pai estava com câncer de pulmão.

“Retornei em 2020, especialmente para cuidar do meu pai, que estava com câncer de pulmão. Os serviços da prefeitura de Santa Leopoldina deram muito suporte, o município forneceu um carro de saúde que levava meu pai para as terapias e os exames”, disse.

A médica conta que o diagnóstico veio em março de 2020, mas que a doença já estava em estado terminal, e em maio do mesmo ano, Jorge morreu após ficar internado por uma semana devido a uma complicação.

“Foi muito difícil para mim e para minha mãe, porque ele morreu no dia das mãe, de madrugada, ao meu lado. Minha estava indo ficar com ele, e foi muito difícil para ela aceitar que o companheiro que estava há 25 anos ao lado dela, o primeiro namorado, havia partido”, desabafou.

Após a morte do pai, Nayara retornou à Bolívia, trabalhou como docente na universidade de Santa Cruz de La Sierra, e como coordenadora de projetos de saúde para uma organização não governamental (ONG) da Alemanha.

A médica retornou à cidade natal em dezembro de 2023, e conta que se sente realizada:“Cada pessoa dessa cidade que comprou uma água de coco do meu pai contribuiu para a minha formação. Então nada é mais justo do que voltar para cá e retribuir todo esse carinho”.

Médica leva filosofia africana para o ambiente de trabalho

Atualmente, Nayara faz uma especialização em medicina da família e comunidade através do Mais Médicos. O programa foi lançado pelo governo federal para levar médicos até populações de vulnerabilidade social, em regiões distantes com poucos médicos disponíveis.

A médica conta que trabalha com uma filosofia africana chamada “ubuntu“, e que significa “eu sou porque nós somos”.

“Na África, em algumas regiões, existe a cultura da partilha, se a ajuda chega para alguém, essa pessoa divide com todos. Então eu tenho muito isso, não conquistei tudo sozinha, eu sou porque minha família é, porque meus amigos são, e porque meus pacientes me permitiram ser”, explicou

Para Nayara, a medicina vai além de tratar sintomas de pacientes, e nas palavras dela, a profissão permite olha para as pessoas e “entender as dores e bagagem que o paciente traz, ver que ele é muito mais do que aquilo”.

“Nós médicos precisamos olhar com mais amor e humanidade para os pacientes, mesmo com a correria da rotina. Precisamos olhar com mais humanidade para o outro”,afirmou.

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